Em agosto de 2014 foi criada a Câmara Internacional de Arbitragem e Mediação em Tecnologia da Informação - CIAMTEC. O objetivo da criação do primeiro tribunal para questões de TI, é solucionar conflitos de direitos patrimoniais, abrangendo tudo que a lei não exige vedação de transação, a exemplo das relações contratuais entre empresas, consumidores e em casos em que as partes estejam discutindo exclusivamente patrimônio. De acordo com o primeiro-secretário e responsável pela arbitragem e mediação da CIAMTEC, no Estado do Rio de Janeiro, Marcio Marques, esse procedimento é feito fora do Judiciário e de suas mazelas.
Segundo o árbitro da CIAMTEC, no Rio de Janeiro, o processo é realizado entre pessoas físicas e/ou jurídicas, que elegem, segundo a sua confiança, uma ou mais pessoas o árbitro ou os árbitros, independente(s) e imparcial(is), especialista(s) na matéria técnica, para decidir, de modo definitivo, o litígio que tenha surgido ou que venha a surgir entre elas.
Dentro desse contexto, a figura do juiz é substituída pela do árbitro e a vantagem é a especialização sobre a matéria controversa, pois o árbitro, conhecedor do tema, dá credibilidade e precisão à decisão.
Marcio Marques explica que neste caso, a arbitragem é mais vantajosa do que uma disputa judicial por três razões básicas: rapidez, visto que um dos principais objetivos da CIAMTEC é dar celeridades aos processos, fazendo com que estes sejam decididos infinitamente mais rápidos do que o processo judicial; economia, já que segundo ele, a lenda existente de que a arbitragem seria apenas para grandes empresas é injusta e a CIAMTEC vem combater tal injustiça; em especial quando se analisa o binômio tempo X benefício e são avaliados todos os custos de um longo processo judicial, inclusive com os custos dos próprios honorários dos advogados, das partes que trabalham por anos em um processo tradicional.
Especialização, de acordo com o árbitro, esse é um ponto crucial de vantagem para as empresas de TI, E-commerce e Comunicação com a criação da CIAMTEC, já que os árbitros que irão decidir o caso são especialistas nos temas que serão ratificados pelas partes. Para ele, havendo suspeição ou não aceitação do árbitro pelas partes, haverá a substituição dentre os qualificados profissionais até que todos estejam de acordo. "Isso permite uma análise técnica, precisa, que em se tratando de tecnologia os juízes togados do Poder Judiciário, não têm expertise e muitas das vezes os peritos nomeados por eles também pecam tecnicamente."
Marcio Marques frisa que a decisão do árbitro é definitiva, ou seja, não há risco das partes concordarem com o procedimento arbitral e após a decisão, uma delas recorrer ao Judiciário. "A sentença arbitral tem força executiva e caso a parte 'perdedora' não cumpra, aí sim o Judiciário entra em cena para, usando o aparato estatal e da sua prerrogativa exclusiva de obrigar o cidadão a cumprir decisões, obrigue à parte resistente ao cumprimento da sentença arbitral", assevera ele, reiterando que de todas as formas o procedimento arbitral é o mais célere e confiável para as partes.
O procedimento arbitral praticado pela CIAMTEC se enquadra na modalidade institucional, ou seja, as partes anuirão com os regulamentos e procedimentos da Câmara para a solução dos seus conflitos.
A Convenção da Arbitragem, que consiste na resolução de conflito via arbitragem poderá ser de duas formas: através de Cláusula Compromissória, aquela que consta no contrato, de forma prévia e prevê que conflitos futuros sejam dirimidos pela CIAMTEC ou Compromisso Arbitral, que será assinado pelas partes posteriormente a instalação do conflito. Nessa modalidade ‘posterior’ pode ser instaurada até mesmo no curso de um processo judicial, onde alguma questão que tenha surgido seja pactuada pelas partes, que será resolvida pela arbitragem.
PROCEDIMENTOS
Marcio Marques explica que em termos operacionais, basicamente, as etapas são: requerimento da arbitragem, pagamento das despesas de registro, comunicação à parte requerida, indicação dos árbitros, aceitação e independência do árbitro, assinatura do compromisso arbitral, recolhimento de despesas de administração e honorários do árbitro, audiência preliminar, alegações escritas e especificações de provas, audiência de instrução e alegações finais e sentença arbitral. Salvo audiências e assinatura de compromisso, todo trâmite será on-line, dando celeridade, transparência, disponibilidade e acessibilidade just in time dos dados do processo e de seu status.
Na audiência preliminar são fixados prazos para apresentação das alegações e provas, que podem variar de caso para caso.
O advogado detalha que a atuação da Câmara, via seus árbitros, será como dito nos chamados direitos disponíveis, a fim de que possam ser avaliadas e quantificadas economicamente. Em linhas gerais, são direitos em que as partes podem livremente transigir, dispor, desistir, abrir mão ou contratar. Decidida pelo árbitro, a sentença arbitral tem a mesma validade, proteção, eficácia e exigibilidade de uma sentença judicial prolatada por um juiz togado.
PRAZO
O secretário da CIAMTEC e árbitro para o RJ informa que o prazo será de acordo com a complexidade da matéria, concordância das partes com o árbitro indicado, apresentação de documentos, análise do material probatório das partes, necessidade de outras provas, diligências pessoais, estudos complementares e a influência que cada um tiver no curso do procedimento arbitral, "todavia o prazo máximo estimado para atuação em 90% dos casos é de até seis meses. Haverá casos de menor complexidade, em que a disputa poderá ser resolvida em até um mês, dependendo da disponibilidade das partes e complexidade do caso. Esse prazo é infinitamente menor do que o mais rápido processo judicial", ressalta.
ESPIONAGEM
Depois da revelação de espionagem por parte da NSA, denunciada pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden, em junho de 2013, até os dias de hoje não ficou claro se a interceptação das ligações da presidenta Dilma, foi feita apenas com acesso às redes de comunicação, ou se houve participação de espiões em território brasileiro. Do ponto de vista legal, Marcio Marques explica que se for comprovada a presença de espiões no país, poderemos ter um incidente diplomático, que pode se caracterizar desde um pedido de esclarecimentos, o que já foi feito pelo Brasil, até mesmo a ruptura das relações diplomáticas.
O advogado esclarece também que hoje, a discussão entre Estados é diferente da dinâmica das relações individuais ou entre Estados e indivíduos. As ferramentas disponíveis para o Brasil contra a espionagem americana teriam que passar pela ONU, OMC e OEA, dependendo do âmbito da reclamação, com formalização de reclamações por parte dos países que se sentiram prejudicados.
Inicialmente o governo brasileiro emitiu pedido de esclarecimentos ao governo americano, gerando a instalação de Comissão determinada pelo presidente Obama para analisar o procedimento de captação de informações pela NSA e elaboração de sugestões para adequação destes.
A Comissão gerou relatório de 300 páginas com 46 sugestões de mudança; em termos práticos alterou muito pouco a invasão praticada pela NSA no cenário mundial.
MARCO CIVIL
O secretário da CIAMTEC e árbitro para o RJ avalia o Marco Civil da Internet como uma lei sobretudo principiológica, que consiste em traçar nortes e parâmetros, a serem seguidos pelo Estado, empresas de TI e usuários. De acordo com ele, a solução de arbitragem passa pela apreciação de caso concreto, além de aspectos tecnológicos, contemplando também aspectos jurídicos, e nesse ponto o Marco Civil, em conjunto com as demais leis que toquem ao caso analisado, será uma das ferramentas a embasarem a sentença arbitral.
Sobre o fato da medida ter sido aprovada sem a obrigatoriedade de data center no Brasil, por parte de empresas estrangeiras, Marcio Marques afirma que de nenhuma forma este fator dificultará o trabalho da CIAMTEC.
"De acordo com a aprovação das partes com o procedimento arbitral, estas também empregam todos os esforços no fornecimento do material que dará sustento às alegações de parte a parte que serão analisadas pelo árbitro", explica.
COMPUTAÇÃO EM NUVEM
Sobre o Marco Regulatório da Computação em Nuvem, proposto pelo Deputado Ruy Carneiro, o secretário da CIAMTEC e árbitro para o RJ avalia que o PL 5.344/2013, atualmente na Comissão de Direito do Consumidor da Câmara de Deputados, em suas premissas possui propostas interessantes, tais como reconhecimento da extraterritoriedade, da interoperabilidade de sistemas, neutralidade de rede e tecnológica, portabilidade de dados, liberdade de escolha de provedor de serviço, fixação de responsabilidades dos prestadores de serviço, etc.
De acordo com ele, uma das possibilidades para empresas de hosting e de computação em nuvem é com a anuência expressa dos seus contratantes, a pactuação da resolução de conflitos mediante o procedimento arbitral, tal qual o Marco Civil e demais legislações pertinentes, o Projeto de Lei para Computação em Nuvem também seria uma ferramenta útil para resolução dos conflitos."
Enquanto o PL não recebe um parecer favorável, Marcio Marques afirma que isso não impedirá justas sentenças sobre questões envolvendo a nuvem por parte da CIAMTEC, partindo do ponto de vista de que os contratos de hosting e cloud são contratos comerciais, e dependendo da dinâmica das partes, se caracterizam como relação consumerista, o que também não deixaria de ser mesmo com a aprovação do Projeto de Lei. Segundo ele, apesar de não tão usual, não há impedimento para que os conflitos que tenham essa natureza não sejam resolvidos via sentença arbitral, apenas tendo que se observar as exigências da Lei de Arbitragem.
"As relações de consumo entre empresas também existem e em se tratando de disputas envolvendo tecnologia, mais do que em muitos ramos da economia tempo é mais do que dinheiro, é vital para uma empresa de TI", conclui o primeiro-secretário e árbitro da CIAMTEC no Rio de Janeiro.