Formada em Engenharia Eletrônica pela UFRJ e com MBA em Administração de Empresas pelo IBMEC, Cíntia Barcelos construiu uma carreira técnica na IBM, onde entrou como estagiária e hoje é uma "Distinguished Engineer". Este é um dos mais altos marcos que um profissional técnico pode chegar, consiste em um histórico de inovação, capacidade de resolver problemas complexos com tecnologia e ser um mentor para as novas gerações técnicas na IBM. A executiva foi nomeada em 2017, a primeira mulher a ocupar essa função na América Latina.

Como uma Distinguished Engineer na IBM, lidera times na criação de soluções inovadoras em Cloud, habilitando clientes da indústria financeira a atingir seus objetivos de negócios. Possui conhecimentos sólidos de arquitetura em Nuvem Híbrida, dados e Inteligência Artificial que aplica nas jornadas de transformação das empresas, gerando resultados positivos como melhor eficiência operacional, experiência do cliente e "Time to Market". Além disso, fomenta inovação através da IBM Academy of Technology e é "sponsor" executiva do grupo de afinidade de mulheres na IBM Brasil para encorajar Mulheres em Tecnologia. Em entrevista, a CTO de Financial Services - IBM Distinguished Engineer, que atua há 27 anos no setor, fala sobre a presença feminina na TI. Leia a seguir.

DCD: Quais são as barreiras que a mulher tem que transpor para entrar e se consolidar no mercado de TI?

Cíntia Barcelos: Historicamente, carreiras em tecnologia têm predominância de homens. Na faculdade de engenharia éramos duas mulheres na turma e na minha vida profissional não foi muito diferente. E em muitas situações eu sou a única mulher na sala. Para vencer essa barreira, é preciso começar muito cedo, com a própria criação das nossas meninas.

O viés de gênero é muitas vezes inconsciente, existe um pré-conceito que a pessoa que entende tudo de tecnologia é homem. Eu não tenho esse estereótipo, já tive questionamentos iniciais, as pessoas às vezes olhavam para mim e duvidavam. Mas dura muito pouco, no final do dia existem problemas e desafios para serem resolvidos. Se você tiver competência, o viés não se sustenta. Meu conselho é estudar e se preparar sempre. Acabou sendo um diferencial para mim, eu sempre me preparo muito para tudo que vou fazer.

DCD: As mulheres estão cada vez mais ocupando cargos técnicos ou ainda somente áreas mais gerenciais?

C. B.: Ainda temos uma grande diferença em números nas funções mais técnicas. Começa com a falta de incentivo nas escolas, poucas escolhem faculdades na área de exatas e o mercado de trabalho acaba refletindo isso tudo. Estudar e se manter atualizado é importante em qualquer profissão, na área de tecnologia é vital, é como respirar. É desafiador conciliar muitas vezes com a maternidade e com filhos pequenos.

Um outro ponto importante são os exemplos. É muito mais fácil quando você olha para uma mulher que admira e diz, eu vou ser como aquela pessoa um dia, eu gostaria de ter aquela função, de trabalhar como aquela pessoa. São poucos exemplos femininos na área técnica. São poucas engenheiras. Temos que cultivar nossos exemplos e estender a mão e ajudar quem podemos trazer conosco. Que mulher vocês podem ajudar? Eu sempre ajudo e apoio as mulheres que me procuram e aprendo muito com cada uma delas.

DCD: A equação Mulheres em TI + Liderança + Equiparação Salarial = Uma realidade, se aplica no Brasil?

C. B.: Infelizmente, não. Os dados do IBGE apontam que homens brancos ganham 27% a mais que mulheres e dados do estudo realizado pelo Instituto Ethos mostram que mulheres em cargos de liderança representam o menor número, apenas 7%. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, mulheres estão sub-representadas na ciência, tecnologia e engenharia.

A IBM divulgou em 1935 a sua primeira política de oportunidades iguais por escrito, que dizia que homens e mulheres ganhariam o mesmo salário por um mesmo tipo de atividade desempenhada. A IBM tem um histórico incrível de apoio a diversidade. Eu me beneficiei ao longo da minha carreira de vários programas da IBM para mulheres e para crescimento na área técnica; precisamos ser intencionais para mudar essa realidade. Fui escolhida como Sponsor executiva do grupo de afinidade de mulheres no Brasil para incentivar mulheres na área técnica.

DCD: A mulher fica em desvantagem ao homem que ocupa o mesmo cargo que ela ou isso não é uma realidade no Brasil?

C. B.: Se considerarmos os dados de equidade de gênero no Brasil, como a diferença salarial entre homens e mulheres e também os dados que apontam que mulheres ainda estão em uma quantidade muito tímida nas cadeiras de liderança, podemos observar que muitas vezes a mulher fica em desvantagem.

Precisamos ser intencionais para mudar essa realidade. Tenho muita sorte de trabalhar na IBM que tem diversas iniciativas com foco na busca pela equidade, por exemplo, mentorizações voltadas para mulheres e também treinamentos e eventos como o "Watson Feat Ladies" e o "Women in IT".

Aproveito também para compartilhar um aspecto que só compreendi há poucos anos e que talvez possa ajudar algumas mulheres na mesma situação. Estava em um treinamento e assisti uma palestra sobre “Impostor Syndrome” – síndrome da impostora. Esse conceito diz o seguinte, mulheres são muito mais críticas e exigentes em relação ao seu potencial que os homens. Homens se candidatam a vagas se tem 50% dos requisitos, mulheres pensam 10 vezes se tem 90%. Ouvindo a palestrante, eu me lembrei de quantas vezes eu enfatizei aqueles 5-10% que eu não tinha quando estava concorrendo por uma vaga.

DCD: Como profissional que atua há anos no setor, você aponta que a nuvem é o ponto central para o próximo estágio de transformação da economia mundial?

C. B.: Estudos mostram que a demanda por tecnologia hoje tem três principais vetores: o primeiro é a digitalização, o segundo é Nuvem Híbrida e o terceiro é a Inteligência Artificial. De acordo com a consultoria IDC, até 2022, aproximadamente metade do PIB latino-americano será digital, impulsionado pelas empresas que avançam em suas jornadas para Cloud.

Na economia mundial, tem-se falado cada vez mais da implementação de modelos as-a-Service (como serviço). Assim como na telefonia, na eletricidade, abastecimento de água/esgoto, serviços pagos pelo uso; a Computação em Nuvem materializa muito bem esse conceito da tecnologia como serviço. Cloud é o grande habilitador, a fundação para a terceira plataforma para Transformação Digital, conforme denominado pela IDC. Através da nuvem é possível implementar grandes inovações, como modelos de Data-as-a Service (Dados como Serviço) e tecnologia embarcada de maneira invisível nas atividades e experiências do dia a dia.

A Computação em Nuvem é uma realidade e continuará crescendo nos próximos anos e ganhou relevância muito maior após a pandemia, que foi um acelerador para que as empresas investissem para manter os negócios em funcionamento. Cloud traz flexibilidade e a rapidez para recursos computacionais, permitindo a entrega rápida de soluções e produtos, acelerando o "Time to Market" e o atendimento às áreas de negócios.

DCD: Big Data e Nuvem têm aumentado os investimentos em data center?

C. B.: A análise de dados como um diferencial de negócios é uma realidade. Cada vez mais se faz uso intensivo de dados para conhecer melhor seu cliente, obter insights e informações e customizar a jornada de forma individualizada para cada um. Com a pandemia, o cliente muitas vezes está trabalhando em Home Office, com muitas reuniões virtuais, precisamos ser ainda mais eficientes no contato com esse cliente.

O marketing moderno, por exemplo, não é somente uma arte, um processo criativo, mas sim extremamente analítico, é uma ciência, tem que se falar não com um segmento, mas com a pessoa que está sendo atendida naquele momento. O mais importante é chegar a granularidade, esse é um ser único, o que eu conheço sobre ele? Sempre se sabe alguma coisa, a pessoa chegou a você através de um click, ou através de uma mídia social, ou através de uma busca, e toda essa informação pode ser utilizada para melhorar a experiência. Nunca tivemos tanta informação disponível e tecnologia capaz de processar essa informação. A nuvem mais uma vez acelerou essa jornada, disponibilizando de forma flexível serviços e armazenamento sob demanda.

Outra inovação que teve um protagonismo com Cloud foi a Inteligência Artificial. Ela pode ser aplicada através da linguagem, seja por texto ou voz. Podemos treinar sistemas para entender a intenção por trás da pergunta que é realizada de diferentes maneiras e responder de forma apropriada. Esse tipo de tecnologia permite atender diversas dúvidas, suportar orientar os seus clientes de forma escalável. Sistemas de IA “aprendem” e se auto alimentar através do feedback dos usuários. A Inteligência Artificial é uma grande aliada no atendimento aos clientes. A IBM criou e alavancou esse mercado através do Watson.

Esse aumento exponencial de dados e do uso de tecnologia tem culminado cada vez mais num aumento da demanda das plataformas de nuvem.

DCD: Qual é o grande desafio que diretoras e diretores de TI enfrentam atualmente? A Cloud Computing faz parte desse desafio?

C. B.: Um estudo do IBV mostrou que os CEOs globais enxergam a Computação em Nuvem, IA e IoT como tecnologias que proporcionarão benefícios para eles nos próximos 2-3 anos. Cloud foi reconhecida por 93% dos CEOs brasileiros como a mais crítica, seguida por IoT (79%), IA (49%) e Automação (44%).

Porém apenas 25% das cargas de trabalho foram movidas para a nuvem, um índice que é ainda menor quando olhamos para as indústrias reguladas, mas que está crescendo. Dentro desse contexto, um grande desafio é a segurança dos dados. O estudo demonstra que 45% dos CEOs disseram que a proteção contra novos riscos de Cibersegurança em 2020 foi muito ou extremamente importante para a estratégia da empresa. O número ficou acima da média entre países da América Latina e também acima da média global (37%).

Outo grande desafio enfrentado por líderes de TI é a falta de mão de obra qualificada. Hoje existe uma grande demanda por profissionais capacitados nas áreas de computação em nuvem, inteligência artificial e segurança, mas infelizmente não temos profissionais qualificados para suprir essa demanda. Ter uma estratégia de capacitação dos times em computação em nuvem é essencial para o sucesso nessa jornada.

DCD: Como você avalia a adoção da Computação em Nuvem por parte das empresas nacionais?

C. B.: Segundo estudo da IDC, no fim do ano de 2020 no Brasil, 59% das empresas de grande porte do Brasil já estão utilizando algum modelo de nuvem. Esse número tem crescido ao longo dos últimos anos.

Eu trabalho com Cloud Computing há muitos anos e atualmente o mercado está muito mais maduro e com conhecimento adquirido para o uso intensivo e estratégico dessas plataformas. O foco nesse momento é habilitar novos negócios e acelerar time to Market.

Um outro ponto importante é que as empresas não só querem ir para Cloud, mas também tirar o maior benefício dessa plataforma. Modernizar ou criar aplicações cloud native é uma realidade em muitas empresas.

DCD: A Computação em Nuvem no Brasil está muito centrada na questão de redução de custo ou já chegou ao amadurecimento?

C. B.: Redução e avaliação de custos é sempre importante. Faz parte do processo. Houve um amadurecimento de como comprar e comparar soluções de nuvem. Mas o custo não é o vetor principal atualmente. Cloud é parte integrante da estratégia de negócios de muitas empresas e uma habilitadora da transformação digital. Saber fazer um uso inteligente de cloud significa disponibilizar produtos e serviços de forma mais rápida.

Diversas empresas no Brasil estão focando muito mais na utilização da computação em nuvem para fornecer maior agilidade para as áreas de negócio e para inovação.

DCD: Em que frentes da Cloud Computing a IBM atua?

C. B.: Neste cenário intenso de reinvenção digital, a missão da IBM é ajudar a transformar a jornada de nossos clientes. A IBM disponibiliza tecnologia para nuvens híbridas (pública e privada) e trabalha com seus clientes desde a estratégia, o desenvolvimento e a migração de aplicações para nuvem e na gestão de serviços em nuvens híbridas.

A estratégia de cloud da IBM é aberta, híbrida e segura, com centenas de serviços como Watson, Computação Quântica e Blockchain. A Red Hat trouxe para a IBM o OpenShift, que habilita a criação de aplicações portáveis e escaláveis, assim como a inovação aberta e diversas soluções open source. A IBM se diferencia pelos serviços de alta resiliência, segurança e portabilidade e também por seu profundo conhecimento de indústria, atendendo a setores altamente regulados com nuvens especializadas. Lançamos a IBM Cloud para serviços financeiros, que permite que nossos clientes explorem os benefícios de Cloud com segurança e compliance exigidos por esse mercado. Também temos a IBM Cloud para Telecomunicações.

Temos investido em diversas frentes da computação em nuvem e como destaque recente tivemos o início das operações da primeira Multizone Region de IBM Cloud ao Brasil, que é também a primeira da América Latina e que passou a oferecer localmente todo o catálogo de serviços de nuvem pública da IBM com segurança e criptografia de dados.