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A Inteligência Artificial se tornou o centro das atenções, figurando nas capas de revistas, nos noticiários e nas conversas entre amigos. O seu impacto parece ter permeado as discussões em quase todos os setores profissionais.

É por meio da IA que o Brasil está atravessando a transição da Agricultura 4.0, que se concentra apenas em máquinas e soluções tecnológicas, para a Agricultura 5.0, que incorpora novas tecnologias aos sistemas de produção agrícola, incluindo robótica, Machine Learning e IA, focados na produtividade e na sustentabilidade.

O Brasil destaca-se na vanguarda na pesquisa científica dessas ferramentas, ao lado de países como Austrália, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão. Conforme indicado no último levantamento da Embrapa, mais de 2.000 AgTechs brasileiras (startups dedicadas ao agronegócio) estão impulsionando o setor com a disponibilização de ferramentas de IoT e IA.

Jayme Barbedo
Jayme Barbedo – Valéria Costa, Embrapa

Em 2023, o valor da IA no mercado global de agricultura foi estimado em cerca de 1,7 bilhão de dólares. A previsão é de que esse número cresça para aproximadamente 4,7 bilhões de dólares até 2028, segundo dados da Statista.

De acordo com Jayme Barbedo, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, a IA Generativa pode acelerar a velocidade do acesso da informação. “Embora seja muito importante ter um agrônomo in loco, que dê a informação, sabemos que existem milhões de propriedades rurais no Brasil. Não há uma quantidade de pessoas suficientes para atender a demanda. Ter uma ferramenta que te dê a informação correta acelera muito o tempo de resposta e a tomada de decisão. Às vezes um dia pode fazer a diferença entre perder a lavoura ou conseguir salvar a produção”.

Barbedo afirma que o Brasil está na linha de frente no desenvolvimento de ferramentas de IA para a agricultura. “O setor tem um peso muito grande na nossa economia. Na parte acadêmica, estamos no segundo ou terceiro lugar a nível mundial. Temos atores do agronegócio muito fortes aqui dentro com interesse em aumentar cada vez mais a produtividade e a eficiência da gestão da sua lavoura”, disse Barbedo, que continua: “Há um interesse econômico em que essas tecnologias se tornem uma realidade e tragam benefícios para o agronegócio, mas é preciso evitar que elas tragam melhorias para os que já têm benefícios e aqueles que têm dificuldades econômicas para acessá-las fiquem para trás. A Embrapa quer que essas tecnologias cheguem para todos”.

Quais ferramentas estão disponíveis?

Dentre as principais ferramentas disponíveis para o agronegócio brasileiro, Barbedo destaca os aplicativos para detectar pragas ou deficiências nutricionais em plantas, monitoramento do rebanho com drones (para a contagem e identificação de animais doentes), e a automação da extração do leite. “Pode existir, em princípio, um aplicativo para qualquer situação que uma pessoa possa visualmente tirar uma conclusão. Mas não só de imagens, como de dados meteorológicos e de solo, por exemplo. Unir todos esses dados num único sistema que converse e se alimente com informações é um desafio gigantesco, mas é uma tendência para que essas ferramentas tenham uma efetividade maior dentro da agricultura”, explicou.

Embora a IA gere a preocupação de “roubar” o emprego de muitos trabalhadores, o pesquisador destaca que isso não deve ocorrer no setor agropecuário. “Mundialmente, existe uma enorme escassez de mão de obra no campo, então quanto mais você conseguir automatizar as coisas, melhor. Não vai causar desemprego, pelo contrário. No Brasil ainda não chegamos nesse ponto, mas no Reino Unido já houve casos do produtor desistir da colheita porque não conseguiu mão de obra. Existe a necessidade de fazer a automação da maneira mais efetiva”.

IA e variabilidade

De acordo com o pesquisador, embora haja avanços tecnológicos no setor, ainda existem problemas de variabilidade que precisam ser resolvidos. “Na agricultura, existem diferenças climáticas e de iluminação. São diferentes fatores que quando você coleta esses dados, reproduzem variabilidade no problema. As ferramentas de IA não têm ainda os dados necessários para funcionar adequadamente. Isso não é só no Brasil, é um problema geral que precisa ser resolvido”, disse.

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Barbedo também ressaltou as iniciativas da Embrapa para disponibilizar as tecnologias para os que mais necessitam. “Possuímos um centro de pesquisa dedicado aos pequenos e médios produtores, com foco no desenvolvimento de ferramentas de IA acessíveis às pessoas que mais necessitam dessas tecnologias. Investimos também em programas de treinamento, visando capacitar essas pessoas para a utilização eficaz dessas ferramentas. Enfrentamos constantemente o desafio e a meta de tornar essas tecnologias o mais intuitivas possível, embora mesmo as soluções mais simples demandem um treinamento básico para sua aplicação correta".

“Brasil é fértil em termos de adoção de tecnologias”

Guilherme Panes, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Jacto, afirma que veremos grandes mudanças com relação aos equipamentos e a tomada de decisões no agronegócio, “enxergando a fazenda como um ecossistema muito complexo e que precisa de um olhar mais macro dos dados para tomar melhores decisões”. A empresa Jacto atua em todo o Brasil e também no mercado internacional, exportando para 85 países no mundo soluções para o agronegócio.

“O Brasil é muito fértil em termos de adoção de tecnologias. Nos próximos anos veremos uma digitalização maior do campo. A conectividade é um limitador, mas não acredito que será por muito tempo. Veremos veículos autônomos, com vários moldais diferentes, e uma capacidade de fazer operações mais simples. O agricultor não terá que operar o equipamento todo o tempo. Com a função chamada repetidor de operações, é possível fazer uma ação uma vez e gravar, e o equipamento repete a operação automaticamente”.

Panes afirma que embora a digitalização no agronegócio esteja passando por um momento importante, com a disponibilização de muitas ferramentas, existem dois fatores deficitários: a falta de conectividade e a escassez de mão de obra qualificada. A empresa conta com iniciativas para impulsionar a conectividade no país, entre elas, a ConectarAgro. “Democratização tecnológica é fundamental para a consolidação da agropecuária brasileira”, frisou.

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Guilherme Panes, Jacto – Guilherme Panes, Diretor da ConectarAGRO

Adriano Rosa, Diretor-Executivo da Embratel, disse que é importante garantir que essas tecnologias sejam acessíveis a todos os agricultores e que sejam implementadas de forma responsável, considerando os aspectos sociais e ambientais.

“A disponibilidade de conectividade interligando áreas remotas e rurais do Brasil é fundamental para realmente habilitarmos a Agricultura 5.0. Por se tratar de um país com uma área continental, esse desafio é muito grande. A Embratel e a Claro se destacam pela alta capacidade de investimento em infraestrutura de telecomunicações terrestres e satelitais” disse.

Adriano complementou: “Estamos em um processo importante e constante de expansão dessa infraestrutura, que também está beneficiando de forma muito relevante o agronegócio. Vivemos a plena transição da Agricultura 4.0 – centrada apenas em máquinas e soluções tecnológicas – para a agricultura 5.0, que introduz diversas tecnologias aos sistemas de produção do agro, como a robótica (biotecnologia), Machine Learning e Inteligência Artificial aplicadas à sustentabilidade”.

Adriano Rosa
Adriano Rosa, Embratel – Embratel

Adriano Rosa afirma que a Embratel está cada vez mais presente no mercado do agronegócio, impulsionada pela solução de Campo Conectado, que oferece conectividade fixa ou móvel para áreas rurais com mais qualidade, seja com 5G, 4G, 3G, CAT-M, NB-IoT e Internet via satélite. “O Campo Conectado habilita o produtor a realizar a digitalização da sua produção para ter acesso a soluções de Agricultura Digital. Com isso, a implementação de inovações para o gerenciamento das propriedades em tempo real, redução do uso de recursos hídricos e menor desperdício de sementes, utilização mais racional de fertilizantes e defensivos agrícolas, diminuição de uso de combustível fóssil e menos perdas agrícolas, por exemplo, podem ser implementadas com eficiência”.

Além disso, a Embratel, em parceria com a Claro, a Áster Máquinas e a Sol Internet of People, possui o projeto ConectÁster, que está implementando a solução Campo Conectado em cerca de 3 milhões de hectares no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Ao todo, são 75 torres em implementação pela Claro e pela Embratel, que beneficiam diversos produtores rurais e mais de 700 mil famílias na região. A empresa também destaca que possui diversas soluções voltadas para o campo, que fazem parte do portifólio Claro Smart Agro, e integram e agilizam todos os processos envolvidos no setor, indo desde o plantio à entrega.

SONDA investe no Agro 5.0

A SONDA também decidiu investir no setor. De acordo com Wagner Rosa, gerente de negócios da SONDA, líder em Transformação Digital na região, a empresa está “comprometida em continuar investindo na vertical de agronegócio, evoluindo e aprofundando o nosso portfólio para atender à constante evolução desse segmento, sempre atentos às últimas tendências, como o agro 5.0, a mais recente inovação nos modelos de produção do agronegócio”.

Wagner Rosa
Wagner Rosa, Sonda – Sonda

“Acreditamos que a combinação da coleta de informações em tempo real e em larga escala, com tecnologias de IA e análise de dados, possibilita aos produtores rurais gerir as suas fazendas de forma mais dinâmica e sustentável. É exatamente por isso que não vamos focar 100% no agro 4.0, caracterizado pela automação das máquinas agrícolas, mas sim em impulsionar a próxima revolução do agronegócio, baseada na Transformação Digital. Nossas soluções digitais são adaptáveis à realidade de cada produtor”, explicou Wagner Rosa, que complementa: “Além disso, estamos em processo de expansão de nossa rede de startups e parceiros para criar soluções abrangentes e personalizadas aos nossos clientes, oferecendo uma abordagem end-to-end para atender às suas necessidades no setor”. 

Recentemente, a empresa lançou uma ferramenta de IA com o objetivo de automatizar as inspeções de segurança relacionadas ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) pelos colaboradores em campo, fazendo verificações detalhadas do correto uso dos EPIs de forma automatizada, melhorando a eficiência e a precisão das inspeções.

Data centers para o agronegócio

CEO da Megatelecom, - que também é focada no setor do agronegócio -, Carlos Eduardo Sedeh, destaca que em pesquisa realizada pelo programa de gestão agroindustrial da FarmmOne, as lavouras com graus mínimos de automação podem impulsionar a produtividade em até 25% em comparação com aquelas que negligenciam a tecnologia. Um ganho que pode reverberar não apenas nas colheitas, mas também nos rendimentos dos agricultores. No entanto, mais de 70% das propriedades rurais ainda atuam sem conexão com internet ou utilização de ferramentas digitais, segundo pesquisa divulgada pelo IBGE no primeiro semestre de 2022.

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Carlos Sedeh, Megatelecom

“O incentivo público para que o setor de telecom possa ampliar a infraestrutura nos locais mais remotos do Brasil deve focar em fortalecer não somente os grandes empreendedores do agro, mas também os produtores menores. Pois eles são menores quando sozinhos, mas o grupo é grande e volumoso e com certeza irá impactar ainda mais positivamente o crescimento do PIB brasileiro, principalmente, se tiverem acesso à informação, trabalho com dados e ferramentas de precisão digital”, disse o CEO.

Sedeh afirma que a Megatelecom “vem levando todo esse ecossistema inerente à tecnologia para o campo, onde realmente ele será consumido”. “Esse movimento será duradouro e a Megatelecom está se preparando para ser a provedora do agronegócio. Estamos interiozando o conceito de data center. São realmente data centers edge, de 20 a 40 racks, porque acreditamos que ao invés de ter um centro de dados de 1.000 racks, o mercado no futuro vai demandar também modelos em que você tenha 50 data centers de 20 racks e mais espalhados”, destacou.

Empresas concordam que mão de obra é um grande impasse

Luiz Rodrigues, Head de Desenvolvimento de Negócios e Gestão de Serviços da Everest Digital, frisa os desafios que o Brasil tem pela frente para impulsar o uso da tecnologia no campo. “Alguns desses desafios são a infraestrutura de conectividade, mão de obra qualificada, regulamentação e normas, sustentabilidade, acesso ao capital, segurança cibernética, infraestrutura logística, entre outros. O que exigirá adaptações de forma ampla em diversos setores, assim como investimentos relevantes, demandando uma abordagem coordenada entre o governo, setor privado e sociedade civil”, explicou.

Luiz Rodrigues Silva
Luiz Rodrigues Silva, Everest Digital

Para Rodrigues, o futuro do agronegócio brasileiro com o boom da IA e o 5G é promissor, com oportunidades de aumento da produtividade, eficiência e sustentabilidade, “mas precisamos estar preparados para isso”. “O Grupo Soluti, do qual a Everest Digital faz parte, oferece um portfólio de produtos e serviços, o qual viabiliza uma gama de soluções que podem atender de forma ampla esta revolução tecnológica que estamos vivendo no agronegócio, sejam elas 100% desenvolvidas e suportadas por nós ou permitindo a integração ou co-criação de soluções com parceiros de software e telecom”, disse.

Rodrigo Torres Marques, cofundador da Torres Engenharia, afirma que o maior desafio na expansão das ferramentas é a infraestrutura básica, principalmente no escoamento da produção, portos e aeroportos. “O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e está bem ambientado com a legislação internacional, porém, os avanços tecnológicos requerem, além de um investimento em massa e de uma infraestrutura capaz de escoar a produção, de mão de obra especializada. Nesse quesito, acreditamos que haverá escassez de talentos nas operações de agroindústria mais especializadas, onde exige uma qualificação superior”, disse.

A Torres oferece soluções de uso de data center e centro de controles no agronegócio. “Existem vários produtos já implementados, desde controle de áreas cultivadas de solo por análise de satélites, controle de maquinário por GPS, centros de processamentos de secagem de grãos, de criação de aves, bovinos e suínos até controle de processos industriais de beneficiamento. Também há controle de poluentes, distribuição e armazenamento de cargas”, destacou Marques.