Em todo o mundo, os data centers frequentemente se deparam com desafios ao tentar acessar a energia necessária da rede elétrica. A questão que se coloca é: como construir um data center sob tais circunstâncias?

Nos últimos anos, cidades como Singapura, Amsterdã e a região de Dublin, na Irlanda, implementaram proibições parciais ou totais de novos projetos de data centers. Isso se deve, em parte, ao receio de que o crescimento desenfreado desses centros possa resultar em um consumo excessivo de energia ou que os operadores adquiram tanta energia renovável que reste muito pouco para cumprir metas de descarbonização em setores como aquecimento e transporte.

Na Irlanda, os data centers já consomem cerca de 10% da eletricidade disponível, com preferência por fontes de energia renovável. Em 2022, a Comissão de Regulação de Serviços Públicos da Irlanda (CRU) anunciou a imposição de limites à construção de data centers até 2028. Isso foi considerado necessário para que o país possa desenvolver sua capacidade de energia renovável de forma rápida o suficiente para atender a outras demandas, incluindo o compromisso de descarbonizar sua rede elétrica, visando a obtenção de 80% da eletricidade nacional a partir de fontes renováveis até 2030.

Já em Singapura, onde os data centers consomem 7% da capacidade elétrica disponível, existe a preocupação de que eles possam prejudicar as metas de descarbonização, uma vez que 94% da matriz energética do país ainda depende de combustíveis fósseis.

Mesmo fora dessas áreas específicas, as demandas energéticas dos data centers provavelmente excederão a capacidade dos fornecedores de energia da rede elétrica em fornecer energia quando necessário. Na Virgínia, a Dominion Power surpreendeu a indústria ao afirmar que não poderia atender às demandas de energia dos data centers, o que resultou em atrasos significativos em projetos de construção que se prolongaram por anos.

Adicionalmente, em West London, houve relatos de que novos projetos habitacionais poderiam ser proibidos até 2035 devido ao fato de que os data centers já haviam ocupado todas as conexões disponíveis.

Oferta e Demanda

"Há uma demanda exponencialmente crescente por energia devido à ascensão da inteligência artificial e do aprendizado de máquina", afirmou Jeff Gyzen, líder de instalações críticas da empresa de arquitetura e engenharia dos EUA, Arcadis, durante um painel da DCD deste ano.

"No momento, em alguns dos pontos críticos, espera-se um período de três a cinco anos antes que a energia possa ser fornecida ao local. Isso representa um grande desafio, pois os data centers não podem aguardar por esse longo período. Além disso, o custo da energia está em constante elevação, atingindo até 24 centavos por quilowatt-hora."

Bob Salter, consultor de energia e professor da Universidade Estadual de Sonoma, na Califórnia, enfatiza que se trata de um problema relacionado à cadeia de suprimentos: "A oferta e a demanda estão desequilibradas."

O estado natal de Salter, a Califórnia, tem buscado eficiência energética desde a implementação do código de energia "Title 24" em resposta à crise energética dos anos 1970. Em certa medida, essa abordagem tem sido bem-sucedida, afirma ele.

"O enfoque do Title 24 foi adotado, e paramos de construir usinas de energia. A capacidade de geração de energia da Califórnia hoje é menor do que era há 20 anos, e a capacidade de geração dos EUA está estagnada, com fontes como carvão e energia nuclear sendo substituídas por energias renováveis."

A demanda global por energia elétrica deve crescer significativamente, aumentando em 50% nos próximos 20 anos, à medida que ocorre a descarbonização do aquecimento e do transporte, migrando dos combustíveis fósseis para a eletricidade verde.

"Antecipa-se que a parcela dos data centers na demanda global de energia aumente de 3% para 4% durante esse período", observa Salter, "e fatores como a eletrificação de veículos estão intensificando a competição por energia elétrica."

O problema, conforme ele destaca, é evidente: "A construção de um data center leva de um a dois anos, enquanto a disponibilidade de energia elétrica varia de três anos a nenhuma."

O Desafio da Distribuição Energética

Os data centers frequentemente demandam concentrações significativas de energia, especialmente em locais como o Norte da Virgínia, onde a instalação de linhas de transmissão é fisicamente desafiadora. Portanto, além da questão da oferta de energia, surge também um problema crítico de distribuição.

"A distribuição é, sem dúvida, um problema, devido à deterioração da infraestrutura elétrica", aponta Gyzen. "Não conseguimos transportar a energia para onde é necessária a tempo devido à construção demorada dessa rede de distribuição. As linhas de transmissão existentes e as novas necessitam de reparos, especialmente na Costa Leste, onde a infraestrutura é consideravelmente mais antiga, resultando, em última análise, em uma rede de energia pouco confiável."

Uma rede de energia não confiável representa mais do que apenas um inconveniente. Ela implica que os data centers continuem a depender de sistemas de alimentação ininterrupta (UPSs), baterias e geradores de backup, agravando, assim, as preocupações relacionadas às emissões das instalações.

Os geradores exigem testes regulares, mas o aspecto mais preocupante é que, se as interrupções prolongadas se tornarem uma ocorrência comum (como foi alertado na Califórnia, com cortes de energia previstos de até 96 horas), a utilização de combustíveis fósseis pelos data centers pode se tornar uma prática padronizada.

Esquivar e Cobrir

A Califórnia atualmente obtém entre 17% e 20% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis, mas há potencial para aproveitar ainda mais a energia gerada por fazendas solares e eólicas já existentes. Estas fontes de energia geram eletricidade em um padrão conhecido como a "curva de pato", que muitas vezes não coincide com a curva de demanda, resultando em cerca de 5% de sua capacidade de energia renovável sendo desperdiçada ou "descartada" devido à falta de sincronia com a demanda.

De acordo com Salter, "Temos um problema de descarte que limita a utilização eficaz dessas fontes de energia. Além disso, à medida que continuamos a construir usinas solares em grande escala na rede, o problema do descarte está aumentando. Os sistemas tradicionais de backup não são uma solução viável para resolver essa questão, e a política pública ainda não evoluiu para enfrentar adequadamente nossos desafios."

Os 5% de energia descartada representam uma oportunidade significativa. Essa quantidade é aproximadamente equivalente ao consumo total de energia dos data centers da Califórnia. Será que o armazenamento dessa energia poderia ser a resposta? Gyzen explorou essa possibilidade ao trabalhar com sistemas de armazenamento de energia com baterias (BESSes) e implementou um sistema de 400 MWh em Long Beach, Califórnia. Esses sistemas ajudam a reduzir os picos de diferença entre oferta e demanda, proporcionando benefícios às empresas de serviços públicos.

Gyzen explica: "Basicamente, isso permitiu que a AES desativasse dois de seus geradores, contribuindo para uma redução significativa dos picos de energia. Essa tecnologia está começando a se espalhar pelos EUA para aproveitar ao máximo nossas fontes de energia renovável."

Entretanto, a energia descartada é apenas uma parte da solução. Como Gyzen observa, "é apenas uma gota no oceano" quando se trata de abordar o problema de escassez de energia, que vai além das necessidades dos data centers. É necessário adotar uma abordagem multifacetada para resolver esse desafio, buscando várias soluções complementares.

Salter enfatiza que a indústria de data center deve desempenhar um papel fundamental na definição da política pública, promovendo a abertura a todas as opções de energia disponíveis para o setor. Além disso, diante das questões de oferta e distribuição, o setor de data center também deve considerar a geração de sua própria energia, preferencialmente no local.

A energia local atua como um backup em caso de problemas na rede elétrica e pode até mesmo isentar a instalação da dependência da concessionária local, reduzindo a demanda nos momentos críticos. Além disso, a geração de energia local pode fornecer suporte ativo, por meio de baterias ou outras fontes de energia, garantindo um suprimento confiável para a rede quando necessário.

Outras ferramentas no arsenal

Qualquer energia no local terá que se encaixar nas estratégias de descarbonização. Além das BESSes, existem outras tecnologias que podem desempenhar esse papel nos data centers. Nenhuma delas é perfeita.

"Temos muitas ferramentas potenciais na caixa de ferramentas, e há roteiros para todas. Algumas são de longo prazo, outras são de curto prazo, e precisamos de todas elas. Precisamos olhar para o futuro imediato e para o futuro de 10 e 20 anos."

Salter continua, suspirando: "Se tivéssemos feito isso há 10 anos, estaríamos em um lugar diferente agora."

Renováveis

A energia solar e as fazendas eólicas são uma resposta óbvia, e grandes players estão financiando novas capacidades na rede por meio de acordos de compra de energia. Essa capacidade é remota e não resolve o problema da energia confiável no local - e há problemas em considerar as energias renováveis convencionais para esse papel.

"A área necessária para produzir 200MW é enorme", diz Salter. Ele não está errado. O Laboratório Nacional de Energia Renovável dos EUA calcula cerca de seis a 10 acres por MW, um número altamente fluido, dado a disponibilidade de energia solar em constante mudança. Uma fazenda solar de 200MW cobriria alguns quilômetros quadrados.

Hidrogênio

O hidrogênio é uma possibilidade, seja queimado em turbinas ou consumido em células de combustível. Houve propostas para locais movidos a hidrogênio, incluindo um campus de 1 GW proposto pela Fidelis New Energy na Virgínia Ocidental.

Além disso, o Mountaineer GigaSystem seria alimentado por células de combustível, usando hidrogênio criado em uma instalação de eletrólise no local.

Fora de megaprojetos como este, como explicamos em outros artigos, a infraestrutura para entregar hidrogênio ainda está sendo desenvolvida.

Salter não vê isso acontecendo em breve: "a longo prazo, para atender às metas de sustentabilidade, provavelmente teremos que fazer algumas mudanças para o hidrogênio, mas isso certamente não está no futuro imediato."

Nuclear

Da mesma forma, a energia nuclear é uma perspectiva, liderada por pioneiros isolados. A Green Energy Partners (GEP) planeja usar um dos primeiros reatores modulares pequenos (SMRs) comerciais nos EUA para alimentar um campus de até 30 data centers ao lado da antiga Usina Nuclear de Surry, no sudoeste da Virgínia.

Esse plano levará muito tempo para se concretizar. As primeiras instalações a se mudarem utilizarão energia da rede nuclear existente, enquanto a GEP trabalha em um acordo com um dos vários novos players emergentes que oferecem SMRs, que se supõe serem mais práticos do que os antigos reatores de tamanho gigante.

Quando estiver funcionando, a GEP afirma que produzirá energia mais do que suficiente e compartilhará parte do excedente na forma de hidrogênio verde.

No entanto, usinas nucleares são conhecidas por serem lentas no processo de licenciamento e construção. Até mesmo os SMRs menores enfrentarão obstáculos, já que ainda não passaram por nenhum processo de licenciamento.

"A energia nuclear vai levar anos", diz ele. "Desenvolvemos meios para lidar com os problemas de resíduos há 30 anos, mas há um longo prazo para qualquer caminho para a energia nuclear resolver nossos problemas."

Desprendendo-se

Seja qual for a fonte de energia que usem, os data centers estarão cada vez mais isolados, diz Gyzen: "Tem havido um movimento para se isolar da rede, até que os serviços públicos consigam atender a toda essa demanda. Se você fizer isso corretamente, será extremamente benéfico para o meio ambiente, com potencial para emissões líquidas zero."

"Francamente, mesmo que não houvesse o atraso na obtenção de energia agora, essa é de fato uma solução melhor. É uma solução mais ecológica. E é uma solução mais barata, porque você está economizando custos de energia. Eu simplesmente não vejo por que não fazer isso."