Em novembro de 2023 a cidade de São Paulo, capital do Estado mais rico do Brasil, passou por uma séria crise de distribuição de energia elétrica após uma tempestade deixar vários pontos da cidade no escuro. A Enel, distribuidora de energia de São Paulo, na época, informou que mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas pela queda da rede. Na maior cidade do país, bairros ficaram quase uma semana sem luz, negócios foram afetados e a distribuidora se mostrou incapaz de lidar com a situação.

Este caso, por acontecer justamente na principal metrópole do país e pela demonstração de que as distribuidoras de energia no Brasil — a Enel em São Paulo, mas não só ela — enfrentam desafios na gestão eficiente de situações extremas, deixa uma pergunta no ar: o país está preparado para lidar com o crescimento do mercado de Data Centers?

A demanda de energia para Data Centers será — já é, na verdade — um dos principais assuntos do setor nos próximos anos.

Data Centers precisam de muita energia para funcionar — em Londres, por exemplo, três distritos no oeste da cidade aprovaram a implementação de novos Data Centers, no entanto, estas instalações de missão crítica utilizam a energia equivalente a milhares de residências, razão pela qual projetos de novas moradias não conseguirão conexões. Na Irlanda, a demanda de energia cresceu 144% em cinco anos e a previsão é que os Data Centers utilizem 27% de toda a eletricidade do país até 2029. E isso ocorre no mundo todo. O mercado de Data Center exige uma quantidade absurda de energia e nem todos os lugares estão preparados para lidar com esse aumento.

O problema se torna ainda mais complexo devido à maneira como muitos Data Centers geram sua eletricidade, por meio da queima de combustíveis fósseis. O setor digital é um dos maiores emissores de carbono do mercado, sendo os Data Centers responsáveis por 25% a 30% do consumo global de energia do ecossistema digital, conforme o ICT Impact Study de 2020.

Operadores de Data Center que não abordarem a questão da pegada de carbono e não se esforçarem para tornar suas operações cada vez mais sustentáveis perderão espaço no mercado e ficarão para trás. Contudo, é exatamente na esfera da sustentabilidade que o Brasil tem a oportunidade de atrair mais operadores de Data Center.

Matriz Energética

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública do Governo Federal responsável por prestar serviços ao Ministério de Minas e Energia (MME), a matriz energética do Brasil é bem diferente do resto do mundo. O país utiliza uma proporção maior de fontes limpas em comparação com a média global. Segundo a EPE, fontes renováveis de energia, como solar, geotérmica e eólica, correspondem a apenas 2,7% do consumo mundial. Se incluirmos energia elétrica e biomassa, o total representa 15%.

No Brasil a porcentagem de fontes renováveis chega a 47,7%. Temos ainda uma quantidade importante de utilização de queima de lenha e carvão vegetal, mas a geração de energia através de hidrelétrica e o crescimento da energia eólica e solar deixam o Brasil em situação privilegiada nesse campo.

A grande pergunta, entretanto, é se o país reúne condições de aproveitar e, principalmente, garantir uma distribuição segura e contínua de energia renovável à população e ao setor de negócios. Se a maior cidade brasileira deixou milhões de moradores, comerciantes e serviços indispensáveis, como hospitais e laboratórios, dias e dias sem energia, o Brasil conseguirá atender à enorme demanda de energia – e energia sustentável – da área de Data Center?

Privatizar ou não?

Cabe lembrar que o fornecimento de energia da cidade de São Paulo é privatizado e atualmente gerenciado pela Enel, empresa que, desde 2019 reduziu em 36% seu quadro de funcionários.

É interessante observar que em todo o mundo há um movimento de reestatização de serviços que foram privatizados, sendo a área de energia uma das que sofreu queda na qualidade após privatização. A Alemanha, lar de um dos principais hubs de Data Center da Europa, em Frankfurt, apresenta histórias bem-sucedidas de reestatização do setor de energia, como a da cidade de Hamburgo, um importante porto do continente.

Em 2009, Hamburgo criou a empresa pública Hamburg Energie, que se mostrou capaz de aumentar as quotas de energia. Até o final de 2015, foram instalados mais de 13MW de capacidade de geração eólica e concluído um programa de energia solar de 10MW, envolvendo a população e empresas locais como investidores conjuntos. Como resultado, a Hamburg Energie atraiu mais de 100.000 clientes que optaram por energias renováveis e produção local.

Esse é o ponto fundamental. Energia renovável por um preço justo e fornecimento de qualidade. O mercado de Data Center está sob pressão para reduzir seu uso de energia (que, segundo a Agência Internacional de Energia, deve dobrar até 2026) para cumprir com leis regulamentárias e metas de sustentabilidade. Uma área com tamanha pressão pensará duas vezes em ir para locais em que a energia é cara, não renovável e de péssimo fornecimento. O Brasil, São Paulo especialmente, é um mercado emergente no setor de Data Center e não pode se dar ao luxo de ficar para trás por problemas com o abastecimento de energia.

No episódio 43 do podcast da DCD, Alex de Vries da Digiconomist afirma que, segundo suas pesquisas, até 2027, o consumo de energia relacionado a dispositivos de Inteligência Artificial pode atingir níveis equivalentes aos consumidos por toda a Holanda, país de origem do entrevistado. Essa previsão é preocupante, especialmente ao considerarmos o rápido crescimento da IA e suas diversas aplicações no setor de Data Centers.

A Meta, empresa matriz do Facebook, por exemplo, planeja investir até 37 bilhões de dólares (183 bilhões de reais) em nova infraestrutura digital neste ano, 2 bilhões de dólares (10 bilhões de reais) a mais do que o previsto anteriormente. Segundo a diretora financeira da empresa, Susan Li, em uma declaração aos acionistas, o investimento será feito no hardware necessário para treinar e executar sistemas de Inteligência Artificial. Segundo Alex de Vries, um servidor de IA consome sozinho mais energia do que vários dos servidores mais antigos. Levando em consideração que a Meta é somente uma das empresas que pretendem investir uma quantidade considerável de dinheiro em IA, dá para imaginar o tamanho do consumo de energia que teremos de lidar nos próximos anos.

Energia, a questão do presente e do futuro

O futuro da área de Data Center passa por complexas questões, mas a da energia é absolutamente essencial. Governos, empresas, sociedade e pesquisadores devem entrar na discussão, uma vez que ela abrange áreas cruciais como o meio ambiente, a economia e a tecnologia. Em 19 de março, o canal Power e Cooling da DCD trará um programa interessante sobre o assunto: A demanda exponencial de energia nos data centers brasileiros e os caminhos para alcançar a eficiência energética. No link é possível ver a grade do programa e se inscrever no canal para participar.